De quem é estranho ou intruso no jogo do poder
Por Honório de Medeiros
Poderíamos denominá-los outsiders nos
lembrando do sociólogo alemão Norbert Elias cujas obras, que estudaram
as relações entre Poder e Conhecimento, permaneceram marginais (à
margem) até os anos 70, quando, então, se tornaram muito influentes.
Elias, autor de “O Processo
Civilizatório”, reintroduziu na discussão intelectual moderna, graças a
sua concepção de “redes sociais”, a importância da ação individual na
história. Talvez o conceito do sociólogo judeu-alemão não abarque
aqueles que irei mencionar, mesmo tangencialmente. Não importa.
Vou me apropriar do nome e utilizá-lo
para o fim visado. Claro que poderíamos denominá-los gauches, em
homenagem a Carlos Drummond de Andrade:
Quando nasci,
um anjo torto desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
um anjo torto desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
Aplicar-se-ia, aqui, o mesmo raciocínio
anterior. Prefiro, portanto, outsiders a partir do significado
etimológico que o Dicionário Estudantil, o Michaelis, lhe atribui: s. estranho, intruso.
Estranhos a quê, ou a quem?
À privacidade do detentor do Poder – e
de sua entourage – para quem, eventualmente trabalhe, por não confundir
relação de trabalho com relação pessoal; à idéia de franquear sua
intimidade ao detentor do Poder – e à sua entourage; à bajulação; à
omissão no que diz respeito à discordância, se preciso for, quanto às
idéias e/ou ações do detentor do Poder; à conformação própria de uma
oposição branda para demarcar posições; ao jogo do Poder e ao Poder do
jogo do Poder; à atitude de marcar presença física para ser visto e
lembrado como alguém da “corte”; à subserviência; à aniquilação do
respeito por si mesmo, na medida em que corpo e mente passam a ser
instrumentos daqueles que os mantêm.
Intrusos para o círculo íntimo do Poder
embora perifericamente dele fazendo parte, momentaneamente, em virtude
de sua competência técnica.
Quem é intruso não tem acesso às idéias
que realmente estão impulsionando o jogo do Poder. Não compartilha as
ações que dele decorrem, por mais inteligentes que seja. Não faz questão
de entender – às vezes até mesmo perceber – a linguagem cifrada através
da qual os integrantes do círculo íntimo se manifestam.
Com sua chegada se estabelece o silêncio ou o barulho dirigido.
O intruso incomoda, é um obstáculo tanto
mais difícil porque ele faz parte da engrenagem embora atrapalhe na
medida em que não possa ser envolvido – e usado – sem que perceba o que
realmente está por trás do jogo político do qual faz parte.
Os outsiders – todos eles – em algum
momento de sua vida foram moídos por aqueles no meio dos quais
conviveram. Foram mastigados, deglutidos e vomitados. Suas essências não
poderam ser assimiladas por aquele tipo de sistema. Não se trata de
oposição externa ao Poder. Não é irridência, sublevação, contestação
explícita, revolução. Não. É incompatibilidade com o estamento do qual
até então o outsider fazia parte apesar de ser outsider.
Ser outsider foi sua glória e sua tragédia. Fez com que fosse trazido para o jogo político e depois expelido.
Trazido graças a seu talento, sua
competência individual – nada que se assemelhe à conseqüência de um
compadrio, de um afilhadismo, de um parentesco qualquer. E expelido
porque impossibilitado, graças a sua excentricidade moral, ou
psicológica, ou filosófica, ou todas juntas, de se acompanhar da
carneirada e sua vocação para serem usadas pelos lobos ao custo de
balangandãs, bijuterias, penduricalhos materiais ou emocionais.
Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e Estado do RN
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