Por Marcos de Barros Lisboa
Nesta eleição, o debate tem sido dominado pela desqualificação da divergência.
Argumenta-se que a crítica ao atual
governo decorre de interesses contrariados pela queda da desigualdade.
Na versão vulgar, a elite se incomoda com os aeroportos repletos com a
nova classe média.
Ao contrário da retórica oficial, a
discordância se refere aos instrumentos adotados, não ao objetivo de um
país mais justo. Criticam-se os meios, não os fins. A política econômica
atual ameaça os avanços das últimas décadas.
A partir da Constituinte, a agenda
social ganhou relevância inédita na nossa história. O fim da
hiperinflação permitiu que novos temas fossem debatidos, como a retomada
do crescimento e a melhora da política pública.
No governo FHC ocorreram importantes
avanços como a universalização da educação fundamental, os aumentos do
salário mínimo e a introdução das políticas de transferência de renda.
A agenda social continuou no governo
Lula, que teve o mérito de conceder-lhe maior proeminência na política.
Reflexo de um país em que, finalmente, após mais de uma década de
aperfeiçoamentos na condução da macroeconomia e reformas institucionais,
a economia se tornara menos relevante, porque menos problemática.
Entre 2001 e 2009, o maior crescimento
econômico, o desempenho do mercado de trabalho e o reajuste do salário
mínimo, beneficiados pelo cenário externo e ganhos de produtividade,
permitiram a melhora da qualidade de vida e a queda da desigualdade.
Infelizmente, os avanços das últimas
décadas estão em risco. Segundo a Pnad, a desigualdade estagnou entre
2011 e 2013. O baixo crescimento, a deterioração fiscal e a piora das
contas externas implicam dificuldades para os próximos anos.
A política econômica parece ter errado
tanto no diagnóstico quanto na escolha dos instrumentos. A retomada do
nacional-desenvolvimentismo, com a concessão de benefícios e de
estímulos a grupos selecionados, sem metas e avaliação de resultados,
prejudicou os setores à frente na cadeia produtiva, a evolução da
produtividade e o crescimento da renda, além de ter isolado a economia
brasileira do mercado externo.
O governo evitou enfrentar as dificuldades de curto prazo ;
ao contrário, expandiu os gastos públicos. O que teria sido um rápido
ajuste se transformou em uma longa estagnação, além da maior inflação,
reproduzindo, em menor escala, a política adotada no fim dos anos 1970
no Brasil, ou, mais recentemente, na Argentina e na Venezuela.
A retórica do atual governo, ao desqualificar a divergência, relembra debates anteriores.
As privatizações dos anos 1990 foram
tratadas como um negócio benéfico apenas a interesses privados,
ignorando o custo decorrente do monopólio público imposto a várias
gerações, para as quais o acesso à telefonia, por exemplo, era um privilégio caro e exclusivo.
Em 2003, a proposta de focalização das
políticas sociais foi rejeitada com argumentos superficiais e
diversionistas como o de que seria parte de uma agenda promovida pelo
Banco Mundial. A história registra quem estava em cada lado da
controvérsia na concepção do Bolsa Família.
A divergência ocorre sobre o
diagnóstico, não acerca da intenção. Aceitá-la convida à democracia. O
contraditório, o confronto de argumentos, de quem defende o atual
projeto e de quem o critica colabora com o debate e auxilia a escolha
dos meios.
A desqualificação da divergência, por outro lado, atribuindo-a a interesses contrariados revela apenas oportunismo.
Marcos de Barros Lisboa é vice-presidente do Insper e articulista do jornal Folha de São Paulo aos domingo
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