Na Era petista, a Casa Civil da Presidência da República foi ocupada por seis personagens. Dois estão presos em Curitiba (Dirceu e Palocci), uma foi fisgada na Operação Zelotes (Erenice), dois encrencaram-se nas franjas da Lava Jato (Mercadnate e Gleisi) e uma outra foi vendida ao eleitorado como gerente impecável e terminou sua carreira moída pelo impeachment (Dilma). O histórico recomenda comedimento. Mas Eliseu Padilha pisa nas evidências distraído.
É preciso reconhecer que o todo-poderoso da Casa Civil de Michel Temer tem razão. Se aquela gravação em que ele foi pilhado explicando como o Ministério da Saúde saiu das mãos de um médico insigne para cair no colo de um deputado insignificante significa alguma coisa, é o triunfo a rendição do governo Temer à mesmice que sempre foi tratada como algo “absolutamente normal”. Vale a pena desperdiçar um pedaço de tempo ouvindo Padilha:
“Todos os governos que fazem composição com vários partidos colocam a participação de outros partidos no governo. Foi o que nós fizemos. O PMDB sozinho não iria governar. Aliás, a história política brasileira depois da reabertura democrática, tem mostrado que o presidencialismo é de coalizão. Vários partidos sempre vão apoiar o governo. E com isso eles têm participação no governo, o que é mais do que normal, absolutamente normal.”
Do jeito como as coisas sucedem, sob absoluta normalidade, o país vive um período de hedionda expectativa: qual será o primeiro escândalo da Era Temer? No assanhamento que toma conta dos partidos, no desassombro com que Padilha opera o balcão, no entrechoque do patrimonialismo com o interesse público, está sendo gerado o primeiro escândalo. Não se sabe onde ele explodirá. Por enquanto, é apenas um descalabro esperando para ganhar as manchetes, um fantasma precoce de uma operação que a Polícia Federal batizará com um nome criativo.
Não se sabe o nome e o partido do futuro réu. Mas o escândalo que o projetará toma forma, vem vindo. Depois, Padilha e Temer dirão que não sabiam de nada. E lamentarão os malfeitos. Farão a promessa de que o governo cortará na própria carne. Talvez digam que não ficará pedra sobre pedra. Mas realçarão que o aliado merece o benefício da dúvida. Que diabo, ele ainda não foi denunciado. O Supremo Tribunal Federal não o converteu em réu. Não há uma sentença! Por que afastá-lo?
No episódio que Padilha considerou “absolutamente normal”, o Planalto fritou o respeitado cirurgião Raul Cutait para entregar a pasta da Saúde ao deputado-engenheiro Ricardo Barros, do PP, partido campeão no ranking dos enrolados na Lava Jato. Mal comparando, José Dirceu fez coisa parecida quando passou pela cadeira hoje ocupada por Padilha. Ao lotear o Ministério de Minas e Energia, Dirceu determinou à então titular da pasta, Dilma Rousseff, que acomodasse o engenheiro Silas Rondeau na presidência da Eletronorte.
Formado na escolha de graduação de José Sarney, Rondeau (pronuncia-se Rondô) seria guindado pouco depois ao posto de presidente da Eletrobras. Para promovê-lo, o Planalto orientou Dilma a levar à frigideira o engenheiro nuclear Luis Pinguelli Rosa. Súbito, o mensalão derrubou Dirceu. Dilma foi alçada por Lula à Casa Civil. E Rondeau a substituiu na pasta de Minas e Energia..
Em maio de 2007, um auxiliar de Rondeau foi preso por agentes federais numa operação chamada Navalha. Acusado pela PF de receber de uma empreiteira um envelope com R$ 100 mil, Rondeau viu-se compelido a deixar o ministério. A Procuradoria o denunciou por corrupção passiva. Depois, sumiu pelo caminho, soterrado por escândalos maiores, como o mensalão.
Hoje, há outros rondeaus rondando as páginas policiais. Cedo ou tarde darão o ar da graça. E muitos lamentarão não ter percebido que Eliseu Padilha, esse notável operador de normalidades, não era propriamente um bom exemplo, mas um extraordinário aviso.
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