Lula finge ser uma coisa e sua reputação é outra
Uma pessoa pode mudar. Pode até mudar radicalmente, de hábitos, de estilo, de orientação política, de amigos —mesmo que uma mudança de Olívio Dutra e Francisco Weffort para Emílio Odebrecht e Léo Pinheiro possa parecer exagerada. Mas Lula jamais imaginou que estaria prestando depoimentos como o desta quarta-feira. Sentado numa cadeira de réu, no centro de uma sala de audiências da Justiça Federal, na frente de um juiz linha dura, inquirindo-o sobre crimes como corrupção passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa.
Tempos atrás, a encrenca talvez tenha aparecido para Lula num pesadelo. É possível que ele tenha acordado no meio da noite, alvoroçado. Pode até ter concluído que a migração do modesto sítio ‘Los Fubangos’, em Riacho Grande, no ABC Paulista, às margens da represa Billings, para a aprazível propriedade de Atibaia, equipada com todos os confortos que o departamento de propinas da Odebrecht pode pagar, não era um bom prenúncio. Mas decerto Lula voltou a dormir, imaginando que não, bobagem, nada de ruim aconteceria com ele. Aconteceu! E foi muito além do sítio e do tríplex.
Noutros tempos, dirigido Duda Mendonça e João Santana, Lula ostentava uma certa superioridade moral. Diante das câmeras de Sergio Moro, a moral perdeu o sentido. O interrogatório desta quarta trata do caso do tríplex do Guaujá, reformado e reservado pela OAS. Mas flutuam na atmosfera da 13ª Vara Federal de Curitiba, como fantasmas de um filme de terror: a planilha com os saques em dinheiro destinados ao “Amigo”, os milhões de agradecimentos travestidos de honorários de palestras, as ordens secretas para destruir provas. Tudo a indicar que Lula virou o que ninguém que o admirou no passado imaginou que ele viraria.
Lula gosta de citar sua mãe, dona Lindu, para informar que foi graças aos ensinamentos dessa “mulher analfabeta” que aprendeu a “andar de cabeça erguida por esse país.” Obviamente, Lula não ouviu quando a mãe rogou: “Cuidado com as companhias, meu filho.” Sua história seria outra se continuasse convivendo com gente como Olívio e Weffort. Presidente, poderia ter convivido com certas pessoas protocolarmente. Todo mundo entenderia. Mas ir atrás do Collor, adular o Renan, entregar cofres a apadrinhados do Sarney…
É natural que, na falta de dona Lindu, a Justiça tenha que assumir a função de mãe de Lula, impondo-lhe castigos inevitáveis. Há pouco mais de um ano, em janeiro de 2016, falando a um grupo de blogueiros companheiros, Lula jactou-se: “Não sou investigado!” Já estava rodeado de suspeitas. Mas alardeava: “Se tem uma coisa de que me orgulho é que não tem, nesse país, uma viva alma mais honesta do que eu.”
Lula continua fazendo sua pose predileta —a pose de vítima. Arrasta multidões de petistas e simpatizantes à capital paranaense para cultuá-lo. Vive uma experiência paradoxal: com os pés fincados no palanque, discursa com a voz estalando de autoridade moral. Mas no interior da sala de audiências da 13ª Vara Federal de Curitiba o que Lula chama de reputação é a soma de todas as ilegalidades esmiuçadas num processo. Ocorre a seguinte incongruência: Lula acha que é uma coisa. Mas sua reputacão já é outra. Mudou muito o personagem. E não deixou endereço. Bons tempos aqueles em que Lula podia ser encontrado no sítio ‘Los Fubangos’, nos finais de semana.
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