quarta-feira, 10 de maio de 2017

Lula finge ser uma coisa e sua reputação é outra

Em foto de 2001, Lula cozinha no sítio ''Los Fubangos'', às margens da represa Billings, em São Paulo
Uma pessoa pode mudar. Pode até mudar radicalmente, de hábitos, de estilo, de orientação política, de amigos —mesmo que uma mudança de Olívio Dutra e Francisco Weffort para Emílio Odebrecht e Léo Pinheiro possa parecer exagerada. Mas Lula jamais imaginou que estaria prestando depoimentos como o desta quarta-feira. Sentado numa cadeira de réu, no centro de uma sala de audiências da Justiça Federal, na frente de um juiz linha dura, inquirindo-o sobre crimes como corrupção passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa.
Tempos atrás, a encrenca talvez tenha aparecido para Lula num pesadelo. É possível que ele tenha acordado no meio da noite, alvoroçado. Pode até ter concluído que a migração do modesto sítio ‘Los Fubangos’, em Riacho Grande, no ABC Paulista, às margens da represa Billings, para a aprazível propriedade de Atibaia, equipada com todos os confortos que o departamento de propinas da Odebrecht pode pagar, não era um bom prenúncio. Mas decerto Lula voltou a dormir, imaginando que não, bobagem, nada de ruim aconteceria com ele. Aconteceu! E foi muito além do sítio e do tríplex.
Noutros tempos, dirigido Duda Mendonça e João Santana, Lula ostentava uma certa superioridade moral. Diante das câmeras de Sergio Moro, a moral perdeu o sentido. O interrogatório desta quarta trata do caso do tríplex do Guaujá, reformado e reservado pela OAS. Mas flutuam na atmosfera da 13ª Vara Federal de Curitiba, como fantasmas de um filme de terror: a planilha com os saques em dinheiro destinados ao “Amigo”, os milhões de agradecimentos travestidos de honorários de palestras, as ordens secretas para destruir provas. Tudo a indicar que Lula virou o que ninguém que o admirou no passado imaginou que ele viraria.
Lula gosta de citar sua mãe, dona Lindu, para informar que foi graças aos ensinamentos dessa “mulher analfabeta” que aprendeu a “andar de cabeça erguida por esse país.” Obviamente, Lula não ouviu quando a mãe rogou: “Cuidado com as companhias, meu filho.” Sua história seria outra se continuasse convivendo com gente como Olívio e Weffort. Presidente, poderia ter convivido com certas pessoas protocolarmente. Todo mundo entenderia. Mas ir atrás do Collor, adular o Renan, entregar cofres a apadrinhados do Sarney…
É natural que, na falta de dona Lindu, a Justiça tenha que assumir a função de mãe de Lula, impondo-lhe castigos inevitáveis. Há pouco mais de um ano, em janeiro de 2016, falando a um grupo de blogueiros companheiros, Lula jactou-se: “Não sou investigado!” Já estava rodeado de suspeitas. Mas alardeava: “Se tem uma coisa de que me orgulho é que não tem, nesse país, uma viva alma mais honesta do que eu.”
Lula continua fazendo sua pose predileta —a pose de vítima. Arrasta multidões de petistas e simpatizantes à capital paranaense para cultuá-lo. Vive uma experiência paradoxal: com os pés fincados no palanque, discursa com a voz estalando de autoridade moral. Mas no interior da sala de audiências da 13ª Vara Federal de Curitiba o que Lula chama de reputação é a soma de todas as ilegalidades esmiuçadas num processo. Ocorre a seguinte incongruência: Lula acha que é uma coisa. Mas sua reputacão já é outra. Mudou muito o personagem. E não deixou endereço. Bons tempos aqueles em que Lula podia ser encontrado no sítio ‘Los Fubangos’, nos finais de semana.

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