Inveja ínclita
Por François Silvestre
A
inveja já foi definida como sentimento mórbido de admiração enrustida. O
invejoso admira com ódio o objeto da sua inveja. Mas não é dessa
inveja que vou falar. Sou invejoso de forma agradável, que me faz bem
sem ambicionar o lugar do invejado.
Invejo
com todas as minhas emoções o poeta Manoel de Barros. O filho da mãe
consegue desconstruir a sabedoria duvidosa e arrancar do miolo da
ignorância a forma bruta de espantar o leitor. Ele não é do litoral nem
do sertão. É do charco. O litoral é gracioso e azul; o sertão é
profundo e cinza. Só é azul de longe, porque o azul é menos cor e mais
distância.
O
pantanal é sertão e mar, sem precisar de Antônio Conselheiro. Manoel de
Barros é pássaro ímpar daquele mundo vasto que se agasalha no seu
ninho.
Invejo
Mário Quintana, por conseguir ficar cada vez mais criança quanto mais
envelhece o verso. Invejo Gonçalves Dias, que me pôs no quengo versos
que não consigo esquecer. Invejo Castro Alves, que feito relâmpago
passou pela vida e nunca conheceu a morte. Ninguém foi mais generoso com
os oprimidos. E a poesia não é outra coisa senão a língua em forma de
liberdade. Mesmo aprisionada em versos. A dialética não desgruda nem da
poesia.
Invejo os passarinhos do meu sítio. Principalmente o pardal. Isso mesmo; o mais inútil, feio e desprezível dos passarinhos. Nenhum visitante quer fotografar o pardal. Fotografam rolinhas, paparroz, corró, sabiá, sanhaçu, cucurutas, galos-de-campina, canários da terra. Se na hora da fotografia houver um pardal no meio, o fotógrafo espera o bicho voar.
E o
pardal tá cagando pra nós. Enquanto alguns passarinhos só comem frutas e
outros só comem sementes, o pardal come de tudo. Se o puser num
chiqueiro de bode, come casca de estaca. Mas sobrevive contra tudo e
contra todos. Tá nem aí pra agradar.
Por
isso eu o invejo. Gostaria de ser assim, mas não sou. Gosto de elogio,
mesmo os imerecidos; ou principalmente estes. Invejo quem diz preferir
uma crítica séria a um elogio fácil. Invejo; mas tirando por mim, acho
que é mentira.
Gente,
igual a menino e cachorro, gosta de afago. Essa história de receber
crítica com serenidade; aqui, ó. Eu recebo é com coice. Quando agradeço
crítica exercito minha cota de hipocrisia.
Não sou
intelectual nem literato. Escrevo de atrevido, nesses tempos ágrafos,
de poliglotas fluentes nas línguas de longe e gagos na prima pobre das
flores do Lácio. Na qual eu espantei, com reza, os medos de menino nas
noites de novilúnio.
Por
isso invejo o pardal. E também o sanhaçu, golfinho de asas, da metáfora
de Aurélia. O paparroz, mais brilhoso do que a graúna, mesmo com menos
pluma.
Invejo até o jumento. Duas coisas suas: a paciência e o tamanho. Té mais.
François Silvestre é escritor arranchado em Martins-RN
Nenhum comentário:
Postar um comentário